quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Afinal, não me pareceu um musical...



Eu fui assistir ao filme La La Land por duas razões: a primeira era porque eu li várias reportagens dizendo que ele era um filme para o verão, em que todo mundo ia se divertir e porque era um forte candidato a vários Oscars; a segunda é porque eu queria ver se era tudo isso mesmo.
Ainda mais que, em uma conversa com um amigo, fiquei sabendo que o diretor e autor do roteiro era o mesmo cara que tinha feito Whiplash, que foi um dos filmes mais incríveis e tensos que assisti nos últimos tempos. Meu amigo me contou sobre o fato de o diretor ter pretendido fazer La La Land antes, mas nenhum estúdio abriu as portas para um estreante com o intuito de gastar tanto dinheiro como seria necessário para aquele musical. Por isso, Whiplash foi escrito com raiva, para provar que ele podia fazer. Deu certo. Foi um monstro na direção com baixo orçamento. O que poderia fazer agora que tinha conseguido rios de dinheiro?
Confesso que fiquei desesperado no início do filme. Aquela cena inicial me deixou de cabelo em pé e um prenúncio de sono. Mas não sou assim tão suscetível a esse tipo de desencorajamento fílmico. Já assisti a filmes franceses, iugoslavos e iranianos que me pediram mais do que um musical hollywoodiano. Não poderia simplesmente perder meu ingresso com uma cochilada que depois inviabilizaria a compreensão da trama. Ainda bem que não dormi.
A história poderia parecer bobinha. Uma aspirante a atriz, que trabalha em um café, conhece um músico revoltado, que não consegue estabilidade, cujo sonho é abrir um bar de jazz. Seu intuito eu gosto muito. Ele quer um bar ao estilo clássico, porque acredita que o jazz cada vez mais está morrendo e ele vê isso como uma catástrofe – principalmente porque anda surgindo um tipo de jazz de novidade, mesclando uns sons eletrônicos, que colocariam Charlie Parker a se enfiar mais e mais nas drogas, por motivo de tristeza com isso.
Eles acabam se relacionando e a trama vai tomando seus caminhos. Não vou relatar mais, porque haveria revolta.
Mas o que mais me deixou impressionado ao sair da sala do cinema foi todo o questionamento que os rumos da história me fizeram ter. Sai atordoado, sem conseguir andar direito, perdendo os sentidos de direção. O silêncio me tomou por horas e eu só podia ficar pensando nesses problemas que me surgiram.
Aos que me conhecem e já tiveram conversas comigo, sabem o meu apreço pelo existencialismo. O sartreano, teoricamente, e o de Camus, literariamente (ainda que ele não se enquadrasse oficialmente a essa corrente de pensamento). Ao pensar n’O Estrangeiro, de Camus, e em todo o fato de o personagem principal não saber responder os motivos de suas ações para as pessoas que o questionavam, lembrei-me do filme. Ao pensar na teoria de Sartre, em que o sujeito deve ter a consciência de suas ações e, portanto, que as reações que são advindas dessas ações tomadas pelo próprio sujeito são, perfeitamente, responsabilidade do sujeito – que não deve fugir da responsabilidade de seus atos – pensei no filme.
O que quero dizer com tudo isso?
Foi um filme que me fez pensar sobre três problemas fundamentais:

a) a fragilidade da vontade pessoal frente à manutenção de um relacionamento amoroso. Ou seja, em quais lugares se escondem as vontades que baseavam uma vida única quando se assume uma vida em conjunto? Eu poderia citar inúmeros exemplos da vida real, de pessoas que me cercam. O que fazemos com aquele sonho de ser astronauta, jogador de futebol, piloto de caças (são exemplos, obviamente, exagerados) quando lidamos com o que se pode ser construído na vida a dois? Talvez seja esse um dos motivos pelos quais Bauman apontava para a modernidade como a época em que haveria cada vez mais uma liquidez nas relações humanas – e nos relacionamentos amorosos.

b) a imposição das necessidades da vida prática frente a essas mesmas vontades pessoais. Para mim, a história ensinou algumas coisas que postulam verdades incontestáveis – principalmente para alguém que já passou por algum tipo de problema financeiro. Por exemplo: a crise de 1929, em que o Brasil foi afetado de maneira bastante forte na exportação do café – isso gerou a crise da República Velha, a derrota de Getúlio nas eleições e a tomada de poder com a “Revolução” de 30, que para sanar o problema financeiro do café, resolveu queimá-lo, para rarear o produtor e, portanto, aumentar seu valor. O que isso demonstra a qualquer leitor: em épocas de crise, come-se arroz e dispensa-se a sobremesa (o café). Mas o que isso tem a ver com La La Land? A vida nos impõe ações práticas que vão desde o pagamento do aluguel até a compra dos alimentos para que não passemos fome, logo, como manter as nossas vontades pessoais (podemos aqui também chamá-las de sonhos) frente a essas necessidades?

c) a aceitação frente às mudanças que o percurso da vida impõe à nossa própria existência. É sabido que sofremos aquilo que as nossas decisões nos direcionaram – num existencialismo puro. E que, mesmo tendo tido outro caminho tomado, este caminho imporia novos sofrimentos que são inerentes a essas outras escolhas. A vida é, portanto, saber que cada caminho nos direciona para um tipo de felicidade e também traz consigo um tipo de tristeza. Outro caminho tomado traria outra – ou outras – felicidade, carregada de um saco de tristeza diferente. Quando penso no filme, penso em: há possibilidade do uso da razão para a compreensão das alegrias e das tristezas que trouxeram os caminhos que escolhemos? Há como usar da razão? Disso não tenho dúvida. Só não acho que essa seja a regra; muito pelo contrário. Li em algum lugar que os romanos só foram o que foram, porque não tiveram que estudar latim; já nasciam falando. Acho que algo parecido com a humanidade em relação ao viver.

Por fim, não deixem de assistir ao filme. Afinal, não me pareceu um musical...