sábado, 5 de maio de 2018

O Nobel de Drummond




Ano passado tive longas conversas com um colega de instituição, Thiago Cruz, quando nos encontrávamos na sala dos professores. Ambos somos admiradores da literatura e um autor que nos une é Carlos Drummond de Andrade.
Ler os poemas de Drummond tem o mesmo efeito em mim que a cachaça para o desesperado: acalma, tranquiliza, alegra e revolta, tudo ao mesmo tempo.
Recordo-me a primeira vez que li Drummond de maneira consciente. Acabara de iniciar o Ensino Médio e uma das primeiras aulas que tive com o maravilhoso professor Marco Aurélio (que, além de não me recordar o seu sobrenome, infelizmente, nos deixou rápido, por ter passado em um processo de seleção de mestrado e trilhar estudos acadêmicos – evoé!). Ele nos fez ler “A balada do amor através das Idades”, com um início maravilhoso, que nunca me saiu da memória: “Eu te gosto, você me gosta / desde tempos imemoriais. / Eu era grego, você troiana, / troiana mas não Helena.”
É um poema fantástico, conta a história de um mesmo casal que, devido às pressões sociais dos contextos históricos, sempre acabava separado. O grego que não podia ficar com a amada porque ela era troiana; a plebeia que não podia ficar com o amado porque o leão os comera na arena dos gladiadores; assim ia, até chegar a um casal que se beijava em Hollywood. Mais do poema, vá lê-lo!
Sempre achei-o belo. Nunca mais pude esquecê-lo.
Drummond me acompanha desde então, seja quando ao léu decido pegar uma página qualquer, seja para usar alguma camiseta que possua um poema seu na estampa.
O que ocorre é que duas histórias sobre Drummond me vem à cabeça. Sobre as duas, não garanto nenhuma veracidade; por isso essa crônica talvez se torne mais uma exposição de algo falacioso do que uma informação. Já está avisado. Em determinados momentos, me dou a possibilidade de divagar sobre as invencionices popularescas.
A primeira delas é sobre o recebimento de uma tese, nos anos 80, sobre sua obra. A autora teria enviado o trabalho final para o próprio poeta, que teria lido atentamente. Muito cortês (quando ouvimos sua voz nas gravações antigas podemos notar que ele devia ser um homem repleto de cortesia), escreveu uma carta para a pesquisadora: “Muito obrigado pela lembrança. O texto está bem escrito. Infelizmente, eu não concordo com nenhuma de suas análises sobre a minha obra”, teria sido mais ou menos o que ele escrevera.
Às vezes, esses problemas de interpretação surgem dentro do ambiente acadêmico: o autor da pesquisa busca em sua fonte somente aquilo que ele já acreditava ser a resposta desde antes da análise.
Mas vamos ao Nobel, que é a segunda história. E a que eu mais gosto.
Ouvi certa vez – e li em alguns lugares, depois de uma rápida pesquisa na internet – que seu tradutor para o sueco, com boas relações no comitê que outorga o prêmio Nobel, teria entrado em contato com Carlos Drummond de Andrade. Afirmava o homem que o seu nome era certo para o Nobel de Literatura. Mas era preciso uma tarefa: que o poeta lhe enviasse a relação de todos os seus livros, edições nacionais e internacionais. Drummond teria agradecido, mas negara-se a colaborar, porque não gostava de prêmios e porque afirmava que o merecedor brasileiro era Jorge Amado.
Se isso tudo é verdade ou não, eu não sei. Mas são boas histórias.
O que acontece é que eu gostaria muito que Drummond tivesse ganhado o prêmio. Foi essa a discussão que tive com meu colega Thiago. Para ele, os poemas são feitos para que as pessoas os leiam e que aquilo tenha um significado para cada um, seja uma experiência pessoal; por isso o Nobel não significa nada, de fato, para um poeta como Drummond. Acho que era mais ou menos esse o seu argumento, se não me falha a memória.
Concordo que o prêmio não muda a importância da obra, mas eu acredito que mais pessoas, no mundo todo, poderiam ter acesso à poesia de Drummond se ele tivesse sido escolhido. Lembro-me de ter lido em Leminski que escrever em português ou ficar em silêncio é a mesma coisa no universo. Drummond não ficou tão conhecido mundialmente e eu acho isso uma pena.
Um Nobel não dá grandeza ao escritor (mesmo porque Borges e Cortázar, que certamente mereciam, não o levaram), mas faz com que mais pessoas o leiam. Exemplos: Svetlana Aleksievitch não era publicada no Brasil, e hoje discute-se muito sobre obra, que de fato é fundamental, como faz, por exemplo, o meu amigo Arthur Telló em suas aulas na PUCRS; Patrick Modiano eu não conhecia, e hoje adoro seus livros e, mesmo não tendo experiências como as que ele teve sobre o processo de ocupação nazista na França, consigo perceber a angústia que ronda seus personagens; Coetzee conheci pela lista dos laureados quando lia sobre o tema, e acredito que o seu livro “Juventude” é um dos textos que mais me marcaram; Wislawa Zimborska, uma poetisa da mesma altura de Drummond, ficou mundialmente conhecida após o Nobel, e isso foi precioso porque sua poesia é necessária.
Porque fala de nós, humanos, de maneira dura, crua, bela, limpa, real, ou seja, perfeita, Drummond deve ser lido. Tendo um Nobel ou não. Mas deveria ter.