terça-feira, 23 de maio de 2017

Claire Underwood é mais importante em House of Cards do que Francis?

      Esses tempos atrás eu me surpreendi com duas coisas: saiu a notícia de que Robin Wright (a atriz que interpreta Claire Undewood em House of Cards) exigiu dos produtores um salário equiparado ao de Kevin Spacey para continuar na série e a enxurrada de comentários sobre o assunto nas redes sociais. Aprendi, com isso, duas coisas também: gosto cada vez mais de Robin Wright e ler comentários em matérias publicadas pode gerar câncer – ou, no mínimo, azia e refluxo.

       Nessa coluna, começo com um questionamento sobre ser a personagem de Robin mais importante que a de Spacey. Acredito que a partir da temporada dois, realmente são, um como o outro, igualmente importantes em protagonismo. Mas quero me atentar à primeira temporada da série, em que Claire é, certamente, mais importante do que Francis.

       Para nós, brasileiros, isso pode parecer estranho. Mas nós não compreendemos como funciona a eleição americana, ainda que a cada quatro anos apareçam tentativas e mais tentativas de jornalistas de nos explicarem a eleição por Estado, por delegado eleitoral, por voto não obrigatório etc. Não tentarei explicar essa parte do processo por aqui por questões de espaço da coluna...

       Mas quero partir do caso Watergate, que foi um grande escândalo de corrupção envolvendo o Presidente Richard Nixon a partir de 1972, com a denúncia de algumas gravações envolvendo o presidente com o recebimento de propina desde a época da candidatura, e culminando com sua renúncia em 1974. Após esse evento, houve uma “reforma” política feita pelo Congresso. O que eles determinaram era que o financiamento de campanha de quaisquer candidatos passariam a ter um teto, que é bem baixo, diga-se de passagem, para doações pessoais ou de empresas. Levando em consideração que nos EUA não há leis que imponham propagandas políticas gratuitas, o gasto com a campanha pode ser estratosférico – como já foi! Na disputa entre Obama e McCain, por exemplo, cada um gastou mais de um bilhão de dólares entre as prévias e a campanha.

      Nesse ponto entram os “doadores fantasmas”. Sempre se encontra uma brecha na lei para permitir – ou pelo menos justificar – algum ato ilícito, porque, afinal de contas, a lei não é perfeita, mítica, única e universal. No caso dos EUA, qualquer pessoa ou instituição podem fazer campanha política para seu candidato. Não à toa alguns meios de comunicação abertamente dão seu apoio a um ou outro candidato (há, inclusive, uma ótima matéria de Daniela Pinheiro, chamada “O jornalismo pós-Trump”, na revista piauí, edição 123, contando sobre os jornais que cobriam a eleição de Trump e o sentimento de dever não cumprido e erro na exposição sobre o candidato quando o resultado deu a vitória ao republicano). A campanha que essas organizações podem fazer permite até mesmo compra de horários na tv, que lá custam uma fortuna inimaginável. A única restrição: não aparecer o nome do candidato. Assim, há empresas que fazem comerciais – pró-alguém ou contra alguém – que saem nos horários nobres. Não aparecem nomes, mas todos entendem sobre quem ou o que se tratam.

      As ONG’s fazem muito isso. Um “doador fantasma” pode doar milhões para um ONG, porque lei nenhuma proíbe a doação. E a ONG faz a campanha para algum candidato. Assim, as ONG’s podem ser usadas como uma espécie de lavagem de caixa 2, caso possamos conceituar assim. O protagonismo de Claire Underwood aparece aqui.

      Na primeira temporada, grande parte das cenas em que ela aparece acontecia na ONG de sua coordenação. Assim, podemos compreender que ela era o receptáculo de dinheiro para propaganda que permitia que Francis Underwood pudesse usar como argumento para conseguir doações de empresas em troca de benefícios nas licitações, decididas pelos eleitos com essa “ajuda”. Como aquele congressista poderia ter se tornado tão importante e tão poderoso dentro do Congresso, vindo de onde vinha e não sendo popular? O que ele tinha a oferecer aos políticos americanos era um esquema muito bem organizado, baseado na cooptação de dinheiro para campanha e para propina, que era lavado pela ONG da sua esposa, que era quem mantinha tudo em ordem para que não fosse nada descoberto. Uma dupla, onde um era responsável direto pelo que o outro fazia. Mas ela era mais importante, porque lidava com o dinheiro. O poder era, de fato, compartilhado por eles, mas Francis permanecia nas mãos da esposa.

      Nenhum detalhe em política pode ser subjugado. Nada está ali por acaso. As relações políticas são sempre mais complexas do que imaginamos quando estamos discutindo numa mesa de bar ou em um jantar com amigos ou família.


      E você achando que ela estava preocupada com a falta de água na África, não?





(Publicado orignalmente no Jornal Opa! http://www.jornalopa.com.br/site/colunista/visualizar/id/235/?Claire-Underwood-e-mais-importante-em-House-of-Cards-do-que-Francis.html em 17/03/2017)

Hollywood à beira da falência

     Você, que gosta de cinema – ou talvez até que não goste tanto assim – já ouviu falar certamente em filmes como O Poderoso Chefão, TaxiDriver, Bonnie & Clyde e Touro Indomável. Mas há na realização desses filmes algo que pode ser questionado se levarmos em consideração o contexto dos EUA da época: devido aos seus enredos, como é que esses filmes puderam ser feitos?
     Os EUA viviam o auge da Guerra Fria e a disputa ideológica entre capitalistas e comunistas estava a todo vapor. Uma das armas usadas era justamente a produção cultural. Filmes e músicas estadunidenses eram utilizados para conseguir mostrar ao mundo como o lado capitalista era fantástico – e o mesmo acontecia do lado da URSS para o bloco socialista. A produção cultural norte-americana tentava demonstrar o tão famoso american way of life, com carros enormes, que gastam litros de gasolina, casas com quintais também enormes, cozinha com máquina de lavar louça etc, etc, etc. Vladimir Nabokov eternizou uma crítica no seu clássico Lolita chamando essa imagem construída de “o sonho Doris Day” dos americanos.
      Mas os anos 50 foram difíceis para a produção cinematográfica. O número de espectadores despencou das salas de cinema. Foram milhões e milhões de pessoas que simplesmente pararam de ir às salas de projeção. Era uma situação pior do que no período da Grande Depressão, pós Crise de 1929. O motivo? O advento e popularização da televisão. Com ela era muito mais fácil: ficava-se em casa, vendo coisas diversas, mudando apenas o canal quando não se agradava com algo que estava passando.
      Hollywood sentiu o baque. Os filmes não eram mais vistos e a indústria – porque sempre foi uma indústria! – sentia no bolso os problemas resultantes dessa diminuição. Faltou dinheiro para os produtores, para os diretores, para os atores. Para todo mundo, resumindo a história.


     Nesse ponto entra o maravilhoso livro Como a geração sexo-drogas-e-rock’n roll salvou Holywood: Easy Riders, Raging Bulls, de Peter Biskind. Tendo sido editor-executivo da revista Première e editor-chefe da American Film, conheceu quase todo mundo da indústria e pode escrever sobre cinema em espaços do The New York Times, Los Angeles Times, The Washington Post, Rolling Stone entre tantos outros meios.
    O livro já traz no título duas obras clássicas: Easy Rider (que no Brasil apareceu como Sem Destino) conta a história de dois sujeitos em suas motos, atravessando uma parte dos EUA, carregando drogas; e Raging Bull (no Brasil:  Touro Indomável), sobre o boxeador Jake LaMotta, contanto desde sua ascensão até sua decadência. Ambos filmes são lendários, principalmente por mostrarem um país que não era aquilo que os políticos queriam vender. Violência, drogas e gente sem destino certo nos caminhos da vida. Era uma outra América; sem o sonho americano, claro.
     Aqui entra o questionamento inicial: como foi possível fazer filmes como todos esses clássicos dos anos 60 e 70?
     A crise financeira e a quase falência dos estúdios de Holywood frente ao advento e domínio da tv fizeram com que os produtores ficassem em uma encruzilhada: ou continuavam fazendo filmes iguais aos que já eram feitos e com isso construíam a definitiva ruína econômica da indústria cinematográfica... ou apostavam em jovens, com ideias novas de dramaturgia, muita droga e muito álcool no sangue, para que eles dessem uma mexida geral nas produções.
     O livro de Biskind traz as histórias – públicas ou privadas, reais ou imaginadas – de todo esse período, que compreende os anos 60, 70, com Coppola, Scorsese, Robert Altman, Polanski, Kubrick (além de todos os atores e atrizes que até hoje nos encantam e estão em nosso imaginário), onde todo mundo ficou muito louco, muito briguento, muito chapado e muito, mas muito criativo, realizando alguns dos maiores filmes de toda história do cinema mundial. O livro vai até os anos 80, na era dos blockbusters, com Tubarão e Star Wars, onde alguns nerds como George Lucas e Steven Spielberg começaram a trazer mais dinheiro do que os loucos da década anterior.

     Para quem é amante do cinema não há escapatória, tem que ler. Para quem não é, vai virar. É um livro longo: são mais de 450 páginas com letra miúda. Mas garanto que você vai ler como se ficasse preso em cada página, querendo saber a próxima história de loucura, briga, amor, sexo, droga ou rock’n roll, como, por exemplo, aquela vez em que o Dustin Hoffmann saiu correndo nu pelos corredores do quarto do hotel, gritando que...


(Originalmente em Jornal Opa! http://www.jornalopa.com.br/site/colunista/visualizar/id/230/?Hollywood-a-beira-da-falencia.html, em 08/03/2017)