Esses tempos atrás eu me surpreendi com duas coisas: saiu a notícia de que Robin Wright (a atriz que interpreta Claire Undewood em House of Cards) exigiu dos produtores um salário equiparado ao de Kevin Spacey para continuar na série e a enxurrada de comentários sobre o assunto nas redes sociais. Aprendi, com isso, duas coisas também: gosto cada vez mais de Robin Wright e ler comentários em matérias publicadas pode gerar câncer – ou, no mínimo, azia e refluxo.
Nessa coluna, começo com um questionamento sobre ser a personagem de Robin mais importante que a de Spacey. Acredito que a partir da temporada dois, realmente são, um como o outro, igualmente importantes em protagonismo. Mas quero me atentar à primeira temporada da série, em que Claire é, certamente, mais importante do que Francis.
Para nós, brasileiros, isso pode parecer estranho. Mas nós não compreendemos como funciona a eleição americana, ainda que a cada quatro anos apareçam tentativas e mais tentativas de jornalistas de nos explicarem a eleição por Estado, por delegado eleitoral, por voto não obrigatório etc. Não tentarei explicar essa parte do processo por aqui por questões de espaço da coluna...
Mas quero partir do caso Watergate, que foi um grande escândalo de corrupção envolvendo o Presidente Richard Nixon a partir de 1972, com a denúncia de algumas gravações envolvendo o presidente com o recebimento de propina desde a época da candidatura, e culminando com sua renúncia em 1974. Após esse evento, houve uma “reforma” política feita pelo Congresso. O que eles determinaram era que o financiamento de campanha de quaisquer candidatos passariam a ter um teto, que é bem baixo, diga-se de passagem, para doações pessoais ou de empresas. Levando em consideração que nos EUA não há leis que imponham propagandas políticas gratuitas, o gasto com a campanha pode ser estratosférico – como já foi! Na disputa entre Obama e McCain, por exemplo, cada um gastou mais de um bilhão de dólares entre as prévias e a campanha.
Nesse ponto entram os “doadores fantasmas”. Sempre se encontra uma brecha na lei para permitir – ou pelo menos justificar – algum ato ilícito, porque, afinal de contas, a lei não é perfeita, mítica, única e universal. No caso dos EUA, qualquer pessoa ou instituição podem fazer campanha política para seu candidato. Não à toa alguns meios de comunicação abertamente dão seu apoio a um ou outro candidato (há, inclusive, uma ótima matéria de Daniela Pinheiro, chamada “O jornalismo pós-Trump”, na revista piauí, edição 123, contando sobre os jornais que cobriam a eleição de Trump e o sentimento de dever não cumprido e erro na exposição sobre o candidato quando o resultado deu a vitória ao republicano). A campanha que essas organizações podem fazer permite até mesmo compra de horários na tv, que lá custam uma fortuna inimaginável. A única restrição: não aparecer o nome do candidato. Assim, há empresas que fazem comerciais – pró-alguém ou contra alguém – que saem nos horários nobres. Não aparecem nomes, mas todos entendem sobre quem ou o que se tratam.
As ONG’s fazem muito isso. Um “doador fantasma” pode doar milhões para um ONG, porque lei nenhuma proíbe a doação. E a ONG faz a campanha para algum candidato. Assim, as ONG’s podem ser usadas como uma espécie de lavagem de caixa 2, caso possamos conceituar assim. O protagonismo de Claire Underwood aparece aqui.
Na primeira temporada, grande parte das cenas em que ela aparece acontecia na ONG de sua coordenação. Assim, podemos compreender que ela era o receptáculo de dinheiro para propaganda que permitia que Francis Underwood pudesse usar como argumento para conseguir doações de empresas em troca de benefícios nas licitações, decididas pelos eleitos com essa “ajuda”. Como aquele congressista poderia ter se tornado tão importante e tão poderoso dentro do Congresso, vindo de onde vinha e não sendo popular? O que ele tinha a oferecer aos políticos americanos era um esquema muito bem organizado, baseado na cooptação de dinheiro para campanha e para propina, que era lavado pela ONG da sua esposa, que era quem mantinha tudo em ordem para que não fosse nada descoberto. Uma dupla, onde um era responsável direto pelo que o outro fazia. Mas ela era mais importante, porque lidava com o dinheiro. O poder era, de fato, compartilhado por eles, mas Francis permanecia nas mãos da esposa.
Nenhum detalhe em política pode ser subjugado. Nada está ali por acaso. As relações políticas são sempre mais complexas do que imaginamos quando estamos discutindo numa mesa de bar ou em um jantar com amigos ou família.
E você achando que ela estava preocupada com a falta de água na África, não?
(Publicado orignalmente no Jornal Opa! http://www.jornalopa.com.br/site/colunista/visualizar/id/235/?Claire-Underwood-e-mais-importante-em-House-of-Cards-do-que-Francis.html em 17/03/2017)