sexta-feira, 29 de junho de 2018

Quais os limites da ética acadêmica?


Quais os limites da ética acadêmica? Há alguns anos, leciono cursos de ética para o ensino médio. Nesses anos todos, tento instigar os alunos a pensarem sobre as possibilidades das suas próprias ações frente aos problemas que são colocados pela sociedade atual. Acredito, piamente, que o estudo da filosofia deva ser feito desde as séries iniciais e que, quanto mais pensarmos a ética, maior será a possibilidade de tentar, humanamente, mudar a triste situação que ronda o mundo.
Para isso, acredito que, precedendo os estudos sobre ética, deva se fazer uma exposição e discussão atentas sobre a ontologia, ou seja, pensar o que é o ser humano. Se a filosofia tenta tratar, desde as épocas mais primordiais, o que é o homem, nada melhor do que tirar dos espaços universitários essa discussão e expô-la à sociedade, para que a construção do entendimento humano seja – veja que que maravilha! – pensado por humanos em uma amplitude jamais vista. Talvez essa seja a prática da ação comunicativa de Habermas. Talvez seja apenas uma ilusão – dentre as tantas que eu tenho – sobre possíveis melhorias sociais.
Mas a discussão que quero fazer diz respeito aos limites da ética acadêmica, portanto, a discussão acima, serve apenas de preâmbulo do que quero dizer aqui.
Recentemente, ocorreu na UFRGS um grande debate sobre o uso de animais em testes de laboratório. A discussão foi intensa, calorosa, resultando em uma participação docente e discente sem precedentes. Podemos usar – ou melhor, poderiam os cientistas – animais para o desenvolvimento da ciência? Se os animais são considerados seres sencientes, ou seja, capazes de percepção através dos sentidos, podemos privá-los da liberdade em favor da ciência? Tenho um grande amigo, Douglas Senna, neurocientista, que em sua pesquisa de doutoramento utilizou vários camundongos e, anos depois, em uma conversa comigo, defendeu um processo de humanização da utilização dos animais. O seu argumento era a precariedade das técnicas e dos instrumentos para a pesquisa com animais, o que resultava em um gasto desnecessário de animais, em termos quantitativos. Entretanto, salientava que havia uma necessidade do uso, levando em consideração que a reação biológica, natural, dos animais não podia, ainda, ser observada em programas de computador ou então em animais sintéticos, feitos com borracha e sistemas automotores. A discussão é imensa e vale a pena dar uma olhada nos novos artigos, que vêm sendo constantemente publicas nas revistas acadêmicas ao redor do mundo.
Mas como essa coluna não é científica, limito-me às considerações filosóficas, utilizando como exemplo o brilhante filme O experimento Milgram, de 2015. Stanley Milgram foi um estudioso da psicologia social que, nos Estados Unidos dos anos 1950 até 1980, pesquisou o comportamento humano a partir da ação humana em situações em que a autoridade era impositiva. Explico: ele queria saber como as pessoas reagiam em situações em que eram mandadas executar algo que causava dor no outro. O teste criado pelo Professor Milgram consistia em pegar um sujeito desconhecido, americano comum, e colocá-lo em um experimento em que receberia o título de “professor”, devendo obedecer um roteiro em que ele faria perguntas a um suposto “aluno”. Cada vez que este errasse, aquele deveria apertar um botão que emitia um choque no “aluno”, para castigo pelo erro. O choque aumentava sua intensidade cada vez que o aluno errava.
Problema: o Professor Milgram foi acusado de falta de ética acadêmica no experimento. O suposto “aluno” era membro da equipe de pesquisa; o “professor” era o objeto de pesquisa. Eles eram colocados em salas separadas e o “professor” recebia um choque, de pequena voltagem, apenas para saber como era a primeira intensidade da carga elétrica. O “aluno” ficava na outra sala e não recebia choque algum. Apenas uma gravação de áudio emitia expressões de dor a cada resposta errada (eram todas) e a voz pedia, constantemente, para que parassem os choques. Ou seja, o “professor” era enganado, achando que o “aluno” estava sofrendo, o que não era verdade. O final do experimento era o momento em que se explicava ao objeto de pesquisa, o “professor”, que tudo não passava de uma encenação e que estava tudo bem.
Baseaava-se fortemente na análise de Hannah Arendt sobre o julgamento de Adolf Eichmann, oficial nazista que, após o final da II Guerra Mundial fugiu para a Argentina e, sendo descoberto, fora levado a Jerusalém para ser julgado por um tribunal hebraico pelos crimes contra os judeus durante o Holocausto, acabou por dar origem ao livro “Eichmann em Jerusalém” e a criação do conceito de “Banalização do mal”. O objetivo da pesquisa do Professor Milgram era descobrir se as pessoas têm tendência em obedecer quaisquer ordens, desde que vindas de algum superior. Os participantes do experimento, mesmo que quisessem parar de dar os choques, escutavam ordens de um outro pesquisador que ficava na sala, dizendo-lhe que era sua função aplicar o teste e dar os choques. O resultado é que a maioria, mesmo a contragosto, acabava por executar o que era pedido.
A acusação sobre a falta de ética veio porque alguns participantes acabaram por ficar psicologicamente abalados ao descobrir sua tendência a cometer atos cruéis contra pessoas desconhecidas. Por que não se levantavam e iam até a outra sala, salvar o “aluno”, dando um fim a um experimento que causava dor? As pessoas ficavam perplexas ao confrontarem-se com suas ações que poderiam ser consideradas obscuras e desumanas.
O filme retrata, de maneira bastante clara, tanto os experimentos quanto as teorias do Professor Milgram. A atuação de Peter Sarsgaard é muito boa e a direção usou o recurso técnico em que o Professor Milgram fala com o expectador, explicando ao público a base de sua teoria. Também mostra suas defesas sobre suas próprias pesquisas.
Ética é um tema antigo, mas que permanece sempre atual. Mostra a necessidade de cada vez mais discutirmos ética nos mais variados sentidos. E nos leva a questionar: a ética acadêmica, o uso de pessoas (ou animais) em experimentos é aceitável ou não? E você, leitor, qual sua opinião sobre esses usos científicos com animais ou com seres humanos?