Ano
passado tive longas conversas com um colega de instituição, Thiago Cruz, quando
nos encontrávamos na sala dos professores. Ambos somos admiradores da
literatura e um autor que nos une é Carlos Drummond de Andrade.
Ler
os poemas de Drummond tem o mesmo efeito em mim que a cachaça para o
desesperado: acalma, tranquiliza, alegra e revolta, tudo ao mesmo tempo.
Recordo-me
a primeira vez que li Drummond de maneira consciente. Acabara de iniciar o
Ensino Médio e uma das primeiras aulas que tive com o maravilhoso professor
Marco Aurélio (que, além de não me recordar o seu sobrenome, infelizmente, nos
deixou rápido, por ter passado em um processo de seleção de mestrado e trilhar
estudos acadêmicos – evoé!). Ele nos fez ler “A balada do amor através das
Idades”, com um início maravilhoso, que nunca me saiu da memória: “Eu te gosto,
você me gosta / desde tempos imemoriais. / Eu era grego, você troiana, /
troiana mas não Helena.”
É
um poema fantástico, conta a história de um mesmo casal que, devido às pressões
sociais dos contextos históricos, sempre acabava separado. O grego que não
podia ficar com a amada porque ela era troiana; a plebeia que não podia ficar
com o amado porque o leão os comera na arena dos gladiadores; assim ia, até
chegar a um casal que se beijava em Hollywood. Mais do poema, vá lê-lo!
Sempre
achei-o belo. Nunca mais pude esquecê-lo.
Drummond
me acompanha desde então, seja quando ao léu decido pegar uma página qualquer,
seja para usar alguma camiseta que possua um poema seu na estampa.
O
que ocorre é que duas histórias sobre Drummond me vem à cabeça. Sobre as duas,
não garanto nenhuma veracidade; por isso essa crônica talvez se torne mais uma
exposição de algo falacioso do que uma informação. Já está avisado. Em
determinados momentos, me dou a possibilidade de divagar sobre as invencionices
popularescas.
A
primeira delas é sobre o recebimento de uma tese, nos anos 80, sobre sua obra.
A autora teria enviado o trabalho final para o próprio poeta, que teria lido
atentamente. Muito cortês (quando ouvimos sua voz nas gravações antigas podemos
notar que ele devia ser um homem repleto de cortesia), escreveu uma carta para
a pesquisadora: “Muito obrigado pela lembrança. O texto está bem escrito.
Infelizmente, eu não concordo com nenhuma de suas análises sobre a minha obra”,
teria sido mais ou menos o que ele escrevera.
Às
vezes, esses problemas de interpretação surgem dentro do ambiente acadêmico: o
autor da pesquisa busca em sua fonte somente aquilo que ele já acreditava ser a
resposta desde antes da análise.
Mas
vamos ao Nobel, que é a segunda história. E a que eu mais gosto.
Ouvi
certa vez – e li em alguns lugares, depois de uma rápida pesquisa na internet –
que seu tradutor para o sueco, com boas relações no comitê que outorga o prêmio
Nobel, teria entrado em contato com Carlos Drummond de Andrade. Afirmava o
homem que o seu nome era certo para o Nobel de Literatura. Mas era preciso uma
tarefa: que o poeta lhe enviasse a relação de todos os seus livros, edições
nacionais e internacionais. Drummond teria agradecido, mas negara-se a
colaborar, porque não gostava de prêmios e porque afirmava que o merecedor
brasileiro era Jorge Amado.
Se
isso tudo é verdade ou não, eu não sei. Mas são boas histórias.
O
que acontece é que eu gostaria muito que Drummond tivesse ganhado o prêmio. Foi
essa a discussão que tive com meu colega Thiago. Para ele, os poemas são feitos
para que as pessoas os leiam e que aquilo tenha um significado para cada um,
seja uma experiência pessoal; por isso o Nobel não significa nada, de fato,
para um poeta como Drummond. Acho que era mais ou menos esse o seu argumento,
se não me falha a memória.
Concordo
que o prêmio não muda a importância da obra, mas eu acredito que mais pessoas,
no mundo todo, poderiam ter acesso à poesia de Drummond se ele tivesse sido
escolhido. Lembro-me de ter lido em Leminski que escrever em português ou ficar
em silêncio é a mesma coisa no universo. Drummond não ficou tão conhecido
mundialmente e eu acho isso uma pena.
Um
Nobel não dá grandeza ao escritor (mesmo porque Borges e Cortázar, que
certamente mereciam, não o levaram), mas faz com que mais pessoas o leiam.
Exemplos: Svetlana Aleksievitch não era publicada no Brasil, e hoje discute-se
muito sobre obra, que de fato é fundamental, como faz, por exemplo, o meu amigo
Arthur Telló em suas aulas na PUCRS; Patrick Modiano eu não conhecia, e hoje
adoro seus livros e, mesmo não tendo experiências como as que ele teve sobre o
processo de ocupação nazista na França, consigo perceber a angústia que ronda
seus personagens; Coetzee conheci pela lista dos laureados quando lia sobre o tema,
e acredito que o seu livro “Juventude” é um dos textos que mais me marcaram;
Wislawa Zimborska, uma poetisa da mesma altura de Drummond, ficou mundialmente
conhecida após o Nobel, e isso foi precioso porque sua poesia é necessária.
Porque
fala de nós, humanos, de maneira dura, crua, bela, limpa, real, ou seja,
perfeita, Drummond deve ser lido. Tendo um Nobel ou não. Mas deveria ter.
Sem comentários:
Enviar um comentário